Pe. João António Pinheiro Teixeira
A felicidade aumenta a produtividade
Papas são constrangidos a falar sobre quase tudo. Além
dos temas teológicos inerentes a suas funções, as comunidades católicas e a
sociedade em geral esperam deles orientações e posicionamentos sobre os temas
mais polêmicos e contundentes. Essa pluralidade de questões traz um problema:
oferece uma grande quantidade de frases que, tiradas do contexto, prestam-se às
mais variadas interpretações.
Para piorar, católicos engajados, ativistas sociais e
jornalistas tendem a interpretar as palavras dos pontífices do modo que lhes
parece mais oportuno. Quando gostam de um papa, só citam passagens com as quais
concordam, geralmente aproximando-as mais ainda de suas posições pessoais. É
como se dissessem “penso como o papa”, mas na realidade pensassem o inverso, “o
papa pensa como eu”. Se não gostam do papa, só citam passagens com as quais não
concordam, sempre as apresentando do modo mais desumano possível.
Com isso, grande parte do povo católico não sabe
realmente o que os papas pensam. As pessoas conhecem, na verdade, as
interpretações e construções intelectuais feitas a partir das palavras de cada
papa. Os estereótipos de “progressista” e “conservador”, por exemplo, devem
muito a essas distorções interpretativas. Todo papa irá se aproximas mais de
posições “progressistas” em algumas questões e mais de posições “conservadoras”
em outras. Mas, no imaginário social, cada um deles ocupa uma posição no
espectro teológico e só se posiciona dentro desse esquematismo.
Uma leitura deturpada das palavras de
Francisco
Desde o início de seu pontificado, Francisco sofre com
uma interpretação “ateia” de seu magistério. Se pedirmos uma síntese me poucas
palavras de seus ensinamentos, grande parte de seus admiradores – católicos ou
não – lembrará a opção pelos pobres, a acolhida a homossexuais e a defesa do
meio ambiente. Os mais enfronhados na dinâmica interna da Igreja, lembrarão a
renovação das estruturas eclesiásticas, visando uma dinâmica com maior
participação e protagonismo.
De fato, esses temas mostram a originalidade e o espírito
renovador de Francisco. Contudo, são as dimensões mais visíveis de uma vida
fundada no encontro com Cristo. Seria uma traição ao próprio papa que se admira
pensar em sua contribuição sem ancorá-la numa profunda experiência religiosa,
na vida de oração e na escuta atenta ao que diz o Espírito.
Logo após sua eleição, Papa Francisco fez questão
de afirmar: “Podemos caminhar
o que quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não confessarmos
Jesus Cristo, está errado. Tornar-nos-emos uma ONG sócio-caritativa, mas não a
Igreja, Esposa do Senhor […] Quando não se edifica sobre as pedras […] tudo se
desmorona, não tem consistência. Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me
pensar nesta frase de Léon Bloy: ‘Quem não reza ao Senhor, reza ao diabo’.
Quando não confessa Jesus Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo
do demônio”.
Anos depois, na Exortação Apostólica Querida Amazonia (2020),
Francisco voltaria a esse tema: “A autêntica opção pelos mais pobres e
abandonados, ao mesmo tempo que nos impele a libertá-los da miséria material e
defender os seus direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os
promove e dignifica. Seria triste se recebessem de nós um código de doutrinas
ou um imperativo moral, mas não o grande anúncio salvífico, aquele grito
missionário que visa o coração e dá sentido a todo o resto. Nem podemos
contentar-nos com uma mensagem social. Se dermos a vida por eles, pela justiça
e a dignidade que merecem, não podemos ocultar-lhes que o fazemos porque
reconhecemos Cristo neles e porque descobrimos a imensa dignidade a eles
concedida por Deus Pai que os ama infinitamente […] É o anúncio de um Deus que
ama infinitamente cada ser humano, que manifestou plenamente este amor em
Cristo crucificado por nós e ressuscitado na nossa vida […] Sem este anúncio
apaixonado, cada estrutura eclesial transformar-se-á em mais uma ONG e, assim,
não responderemos ao pedido de Jesus Cristo: ‘Ide pelo mundo inteiro, proclamai
o Evangelho a toda a criatura’ (Mc 16, 15)” (QA 63-64).
No mundo de hoje, faltam lideranças que demonstrem uma
posição humana verdadeira, uma real empatia pelos que sofrem, um compromisso
com a natureza que não é puramente demagógico. Nesse contexto, muitos nãos
católicos e até ateus se entusiasmam com a figura do Papa Francisco. É natural
que essas pessoas tenham dificuldade para entender a raiz cristã do
comportamento do Papa. O problema surge quando os próprios católicos perdem
essa fundamentação religiosa, pois colaboram para distorcer ainda mais a
pregação de Bergoglio, ao invés de ajudar os não cristãos a entenderem sua
mensagem.
Uma tarefa para todos nós
Frequentemente, ao nos debruçarmos sobre os
ensinamentos da Igreja, fazemos a pergunta errada. Perguntamo-nos: quais são as
passagens que legitimam minha conduta ou com as quais me identifico mais? Com
isso, fazemos uma leitura autorreferenciada do magistério católico. A pergunta
mais justa seria: quais são as passagens que mais me corrigem ou que me levam a
repensar minha visão de mundo? São essas passagens, sem dúvida incómodas, que
nos ajudam a trilhar com segurança cada vez maior o caminho que nos leva a
Deus.
A interpretação ateia de Francisco é um sintoma dessa
tendência de nos determos naquilo que nos é mais simpático. As imagens fortes
do compromisso com os pobres e com o meio ambiente, da acolhida aos excluídos,
da reforma nas estruturas eclesiais têm um fascínio inegável – e são um convite
para uma importante conversão no coração de todos nós. Contudo, para serem
vividas num verdadeiro espírito evangélico, implicam num trabalho de reconhecer
as origens desses comportamentos na adesão a Cristo e na experiência da
misericórdia do Pai em nossa vida.
Nas palavras do próprio
Francisco: “A fé, para mim, nasceu do encontro com Jesus: um encontro pessoal,
que tocou o meu coração e deu uma direção e um sentido novo à minha existência;
mas, ao mesmo tempo, um encontro que se tornou possível pela comunidade de fé
em que vivi e graças à qual encontrei o acesso ao entendimento da Sagrada
Escritura; à vida nova que flui, como jorros de água, de Jesus através dos
sacramentos; à fraternidade com todos e ao serviço dos pobres, verdadeira
imagem do Senhor”.
O perigo reside na tentação de contrapor a raiz aos
frutos, como se quem vive o compromisso social não vivesse o encontro com
Cristo, ou quem vive o encontro com Cristo não tivesse que ter um compromisso
social. Se adentramos por essa contraposição sem sentido, não conseguiremos
viver um cristianismo integral, não importa o quão radicais sejamos.
Francisco Borba Ribeiro Neto, In Aleteia 20.02.2022
Foto: Antoine Mekary | ALETEIA | i.MEDIA
A felicidade aumenta a produtividade
Carmen Garcia
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