
Pe. João António Pinheiro Teixeira
A felicidade aumenta a produtividade
Faço
notar que nesta fase da vida, sou espectador/ator de dinamismos paroquiais
rurais. Mas admito que muito do que se tece aqui possa ser extrapolável para
realidades mais urbanas e para outras culturas. A gestão de tensões entre a
continuidade e a rutura, será o discernimento maior do sacerdote...
A minha intenção é
pegar em alguns olhares e experiências de Igreja e dar largas a uma certa
reflexão crítica, partindo de uma realidade que é inequivocamente complexa e
com alguns contornos desoladores. Partindo da figura do padre, acabarei
por redundar em alguma projeção de eventual visão futura (ou futurista…) da
vida eclesial. Faço notar que nesta fase da vida, sou espectador/ator de
dinamismos paroquiais rurais. Mas admito que muito do que se tece aqui possa
ser extrapolável para realidades mais urbanas e para outras culturas.
1
– Se para uma missa basta um padre, para um padre não bastará uma missa?
Já há muito tempo que reclamo junto dos meus amigos padres que
seria melhor celebrarem uma missa por dia, porventura também ao domingo.
Entendo que os padres “turbomisseiros”, embora certamente agindo por bem,
alimentam e perpetuam uma realidade insustentável.
2-
Então e as pessoas ficam sem missa ao domingo?
Se for preciso, sim… Mas será a resposta que cada comunidade der,
em cada lugar, aldeia, capela, que vai determinar as possibilidades e,
principalmente, o futuro possível dessa vida eclesial que, em muitos casos,
convenhamos, aparenta e poderá mesmo ser definhante e deprimente,
principalmente no que diz respeito ao não rejuvenescimento. Mas avanço desde já
atenuantes num sentido muito prático, com algum caráter prospetivo:
a) celebrações de palavra presididas por leigos, se significarem
solidez, preparação, envolvimento, renovação, fidelidade à Igreja, unidade com
o pároco, etc. (pode não haver recursos humanos para tal).
b) dinamismos de ‘boleias’ bem organizados para que os fieis
(incluindo, obviamente, os mais carenciados e com problemas de mobilidade)
possam deslocar-se às celebrações em centros da paróquia (então em menor número
mas certamente mais participadas). Esta atividade de fazer com que quem queira,
possa ir, é, em si própria, vida cristã.
c) celebrações com a presença do padre noutros dias da semana que
não ao domingo, em alguns locais mais distantes do centro paroquial.
d) sinergias em maior escala (arciprestados, etc), que otimizem
ainda mais todos estes processos.
3-
Isto não seria uma desvalorização do sacramento da Eucaristia?
Na versão otimista seria o contrário, sob o lema “menos e de mais
qualidade”. Seria, antes de mais, o possível e realista. Mas, porventura, mais
pré-preparado, mais solidário, mais confortável, menos “a correr”, em suma,
mais qualificado…
4-
Então e o padre – se celebrar menos missas – o que tem para fazer?
Aquilo que este tempo de Igreja e cultura lhe pedem: que seja um
dinamizador pastoral, um garante da unidade com o Bispo e a Igreja no seu todo,
mas não mais o executor de tudo e por quem tudo passa. Em particular, nas
celebrações e em muito mais, alguém que, rezando menos missas (e porventura
reduzindo igualmente outras rotinas de “serviço religioso” questionáveis) tem
mais tempo e disponibilidade para:
a) ter ele próprio – padre – “qualidade de vida”, precisamente
para poder descansar, rezar, formar-se, refletir com a comunidade sobre o
presente e o futuro, ter a sua vida comunitária cristã, estar com as pessoas
sem agenda de pressa, etc.
b) revitalizar a ligação da prática religiosa à vida e ao
Evangelho, dando mais relevância a outras atividades não necessariamente
sacramentais como a lectio divina com partilha de vida, meditação e outras
práticas de silêncio, o acompanhamento espiritual, outras atividades de
abertura à cultura e à sociedade, etc.
c) apoiar as comunidades nos desafios – agora mais auto-responsabilizantes
e auto-protagonizantes por parte dos leigos – que uma vida cristã menos
padrocêntrica pode implicar.
O padre? É um cristão,
livre e feliz, com um serviço particular, centrado em animar e caminhar com
outros tantos caminhantes, que queiram caminhar neste Caminho…
5-
E com isto não vamos ter ainda menos gente nas Igrejas? E muitas pessoas não
vão ficar tristes?
Teria de se ensaiar para ver mas, se sim, se as pessoas se
afastarem mais, será uma purga razoável, diminuindo porventura o grau de
consumismo religioso, fenómeno que, em si próprio, é já pouco cristão e sinal
de insustentabilidade. A eventual tristeza de algumas pessoas poderá
perceber-se mas não pode ser matéria suficiente para não discernir e não agir.
Poderão ser criadas alternativas mas a realidade impõe-se e isso tem muita
importância. Ignorá-lo é esconder a cabeça na areia e o “medo de magoar” não
justifica deixar andar…
6-
E muitas igrejas e capelas não ficarão desertas e sem atividade?
Poderá ser que sim e isso deve assumir-se, redesenhando-se o
espaço sem nunca optar pela tentação do fechar e guardar. Convém, ao contrário,
abrir e partilhar. Algumas sugestões avulso sendo que o padre, mais uma vez,
nunca poderá ser o ator omniactuante mas apenas um proponente e depois um
ajudador daquilo que a comunidade, nos limites das suas possibilidades e
motivações, desejar:
a) criar um subespaço nas capelas mais confortável (aquecido no
inverno!) e acolhedor, para dinamismos de pequenas comunidades cristãs (voltar
um tanto às origens) que confrontam a sua vida em partilha e se interajudam no
viver a fé, em confronto com a Palavra.
b) dispor bancos, cadeiras, altar, etc., de formas inovadoras
(porventura mais circulares e onde as pessoas se veem e se horizontalizam à
volta de uma fé essencial). Poderá tratar-se de uma certa redecoração
intencional de interiores, não necessariamente dispendiosa. Este reinvenção
espacial, aliás, poderia ser implementada independentemente dos espaços
religiosos estarem mais vazios.
c) mantendo a autonomia de um espaço mais reservado e de silêncio
(com o sacrário, nomeadamente) recriar outros espaços no mesmo espaço, que
possam abrir a Igreja a outros serviços à comunidade, de índole artístico,
cultural, social e inter-religioso. De alguma forma, recriar a coreografia do
espaço sagrado a um formato mais flexível, coerente com a não rigidez que este
tempo, como todos os tempos, pede aos cristãos.
7-
E os outros sacramentos e manifestações religiosas?
Também elas terão que ter os seus ajustes realistas e paulatinamente,
haver algum filtro sobre tudo aquilo que se costuma fazer, dando mais
importância ao que é essencial e relevando e subtraindo a presença do padre ao
que não é crucial. A título de exemplo, em termos pessoais, prefiro um
padre que priorize funerais, mesmo à custa de centralizações e sinergias de
batizados e casamentos. Prefiro um padre que se vá ausentando de algumas
procissões e outras não essencialidades cristãs e tenha mais tempo para ouvir
os membros da comunidade e/ou para visitar a casa de cada um… A gestão de
tensões entre a continuidade e a rutura, será o discernimento maior do
sacerdote…
Sei bem da ousadia e do quase simplismo que acarreta o exercício de colocar numa folha A4 um conjunto de itens que dizem respeito a uma realidade complexíssima e que traz consigo desafios gigantes. Mas reconheço, ao mesmo tempo, uma evidência clara de que as coisas não poderão ficar como estão, com todos e cada um de nós a sermos espectadores (discutíveis alimentadores?) de um dinamismo (ou falta dele) insustentável. O traço mais marcante das ideias acima tem por base uma convicção forte de que a religiosidade mais massificada tem um perigo enorme de se banalizar. Sem resignificação criativa, fazendo-se porque sempre se fez, o perigo de afastar a religião cristã de uma vida verdadeiramente afetada pelos critérios do Evangelho é muito real. A prática religiosa, incluindo os sacramentos, parecem em inúmeras situações nada ter a ver com a vida das pessoas. A “crise das igrejas vazias” é, neste sentido, uma enorme oportunidade de requalificação da religião. Pode, a partir daqui, operar-se um certo renascimento, capaz de oferecer uma resposta coerente e integrada de uma espiritualidade que, alimentando-se também de rituais, os encara, prepara e vive como graça que se fecunda em vida-vivida num tempo que, à luz da Fé, será sempre um “tempo favorável” (2 Cor 6, 2). O padre? É um cristão, livre e feliz, com um serviço particular, centrado em animar e caminhar com outros tantos caminhantes, que queiram caminhar neste Caminho…
A felicidade aumenta a produtividade
Carmen Garcia
“As ruas e as praças de Lisboa não pertencem apenas aos sindicatos e não são propriedade da extrema-esquerda. Até os Católicos se podem manifestar, porque há separação entre a Igreja e o Estado.”
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