
A IGREJA CATÓLICA EM PORTUGAL
Alberto João Jardim
É pouco provável que o Relatório seja
o assunto do dia, ou da semana, porque não é coisa que vá ser esquecida.
Os católicos que conheço, mesmo aqueles
cuja ligação à Igreja e aos seus ensinamentos não vai muito além da missa
dominical, estão aturdidos: uma coisa são pastores transviados (a Igreja é
feita de homens, não de santos, donde nunca se pode ter a certeza absoluta de
por baixo das vestes talares não estar um pulha, ou um tarado), outra muito
diferente é a quantidade de casos indiciar que os houve (e haverá ainda,
talvez) em quantidade suficiente para se detectar um padrão.
É que, parece, mesmo noutros ambientes em
que as crianças estão, em situação de fragilidade, expostas a adultos, como no
seio das famílias e em instituições, os casos não são percentualmente tantos.
Depois o encobrimento, que durou décadas
senão séculos, e que faz aparecer a Igreja Católica à luz de uma burocracia que
defende os seus, a qual se manifestou com afloramentos recentes no nosso
episcopado – e se manifesta ainda agora num ou noutro bispo, quando a procissão
demoníaca há muito saiu do adro.
Aturdidos estão. E muitos que, como eu, não
são católicos nem fiéis de outras confissões, evidenciam uma mal disfarçada
satisfação: sempre acharam a Igreja um elemento aglutinador de tudo quanto é
retrógrado na sociedade, inquisitorial em seu tempo, colaboracionista no do
Estado Novo, reaccionária no PREC e obsoleta agora.
Fosse eu católico, e estivesse embrulhado
numa qualquer estrutura que se ocupasse dos destinos da Fé, e trataria de
perceber o que fazer não para limitar estragos – estão feitos, ainda que
venhamos a assistir a sequelas – mas para garantir mecanismos eficazes de
alerta e repressão para situações como as que o Relatório ilustra. E como
estamos a falar de crianças mas não de um jogo de dominó em que uma derruba o
tabuleiro para dizer: este não valeu, vamos jogar outro, é essencial que a
própria Igreja persiga implacavelmente, e expurgue do seu seio todos os
prelados com culpas no cartório da pedofilia, quer possam quer não possam ser
perseguidos criminalmente, e não apenas no futuro, também no passado, e não
apenas quem fez mas também quem encobriu.
Pessoa amiga, mulher, disse-me: se as
mulheres fossem ordenadas nada disto teria acontecido. Fiquei a pensar: não
faltam exemplos de mulheres na Igreja que se distinguiram por casos terríveis
de crueldade e fanatismo (contra mães solteiras, por exemplo), mas pedofilia
não. Não é que seja impossível, é que simplesmente é raríssimo, o que leva a
pensar que estariam menos disponíveis para fingir que não viam.
Para compor um quadro de soluções,
haveria de ponderar se há o mesmo número de crimes desta natureza,
percentualmente, em confissões onde não exista o celibato, caso em que este
também faria parte da equação. E ainda que os remédios para a cura desta chaga
digam sobretudo respeito aos católicos, os que o não são, mas não sofrem de
anticlericalismo primário, têm muito em jogo.
Explico:
Desde a noite dos tempos que as religiões
acompanham o Homem. Mesmo que a ciência, que desfez muita crença ilusória, a
liberdade, que autoriza o incréu, a separação da Igreja do Estado (onde teve
lugar), que diminuiu a importância da primeira, e a evolução dos costumes,
tenham reduzido a importância da Igreja a ponto de no Ocidente escassearem as
vocações e os fiéis desertarem os templos, a raiz do nosso modo de vida é
cristã, como são as convicções de inúmeras pessoas que julgam que as não têm.
Isto é assim porque a maior parte de nós
não se exime às pulsões que definem a condição humana, uma delas sendo a
interrogação sobre a vida além da morte – a que só as religiões dão resposta.
Ser ateu ou crente não é uma
característica da inteligência ou da estupidez – não faltam indivíduos
intelectualmente brilhantes que são profundamente crentes, idiotas que são
ateus, e ao contrário.
Isto significa que do descrédito da
Igreja Católica o herdeiro não será nem o agnosticismo nem o ateísmo – serão
outras religiões, incluindo as laicas, como tal se entendendo todas as que
pretendem fazer um Homem Novo e a sociedade perfeita, igualitária e impoluta,
que é o céu na terra. E das outras religiões propriamente ditas é melhor nem
falar, que a Católica tem atrás de si dois mil anos de evolução, donde uma
organização sábia por acumulação de diuturnidades.
Não sou católico, disse. Mas também não
sou anticatólico, nem acho que tenha nada a ganhar, nem os meus concidadãos,
com a proliferação de seitas que nada têm a ver nem com a nossa história, nem
com a nossa identidade, nem com o laicismo que os mata-frades de ontem e de
hoje acham que é um progresso.
Nota editorial: Os pontos de vista
expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser
subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e
não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre
os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que
querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e
os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá
chegar.
In Observador: José Meireles Graça, 17 de fevereiro 2023
Alberto João Jardim
João Gonçalves, In Jornal de Notícias, 27/03/2023
João Gonçalves, In Jornal de Notícias, 13/03/2023
Esta ideia de que as crianças podem auto-diagnosticar que são do outro sexo – sem qualquer acompanhamento médico especializado - e submeter-se à dependência de drogas para o resto da vida, é um desvio total do protocolo médico normal.
Cristo funda a Igreja sobre aquele que o traíra horas antes, o que significa que assume que a obra tenha pés de barro. Assim, qualquer objeção à Igreja que venha do “barro”, do limite, não procede!
“De algum modo, pode encontrar-se na máxima evangélica ‘dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus’ uma raiz histórica e cultural deste princípio.”