Estado laico ou prosélito?

João Gonçalves, In Jornal de Notícias, 13/03/2023

Dois jornalistas mumificados apareceram sentados em Belém para entrevistar o presidente da República. Não entrevistaram nada. Marcelo disse o que lhe apeteceu, sem contraditório. Aqui só me interessa o que afirmou sobre a Igreja, e que reiteraria numa coisa qualquer com bombeiros. Marcelo tem este "talento" de escolher sempre os melhores locais para alegadamente falar de coisas sérias. E, ainda mais alegadamente, com seriedade. Ora, a posição da Conferência Episcopal Portuguesa - na reacção e aplicação de um relatório de uma comissão independente que ela própria encomendou sobre abusos sexuais de há setenta anos para cá - desiludiu o presidente. Mais. Ao lado dos bombeiros, explicitou o seu "motu próprio". "Medidas cautelares", "assumir a responsabilidade plena", "afastar do exercício de funções", "mostrar vontade de reparar as vítimas" foram alguns dos pronunciamentos do chefe do Estado laico português dirigidos à Igreja Católica. Também a segunda figura do referido Estado, o fatal Santos Silva, num evento qualquer cheio de tendas, decretou "escândalo nacional". E há partidos e deputados levianos que querem levar os bispos a depor na Assembleia da República, outra mão fundamental do Estado laico a que Marcelo preside. Porque é que insisto na referência ao Estado laico? É que, ouvindo esta gente, lendo os jornais e observando as televisões, parece que o n.o 4 do art.o 41.o da Constituição só tem previsão de sentido único. Isto é, "as igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto", salvo se não estiverem e as entidades que mencionei o permitirem. O professor Cabral de Moncada, um homem sábio, escreveu que "nunca a filosofia católica recuou senão para avançar". A Igreja, e bem, não só não reagiu a estas farófias, como tem estado a fazer exactamente o que lhe compete, em estrita obediência à Santa Sé e ao Papa, como resulta da Concordata de 18 de Maio 2004, e não a estes prosélitos (vide art.o 5.o). Por outro lado, todos os dias assistimos ao resultado das imprecisões "estatísticas" do relatório. A Igreja está a proceder a "medidas cautelares", como suspensões (não de mortos, evidentemente, ou de padres ou leigos entretanto já suspensos, como sugere o relatório), e a CEP, desde há um mês, assumiu "responsabilidades plenas", ainda agora reiteradas numa entrevista de D. José Ornelas ao "Expresso". Era, todavia, dispensável ficarmos a saber que é heterossexual e que "não anda a deitar-se por aí de qualquer jeito", um assunto, o do celibato, que fica para outra ocasião. Por ora, basta que o Estado evite proselitismos e não dê lições a ninguém.

*Jurista

O AUTOR ESCREVE SEGUNDO A ANTIGA ORTOGRAFIA
Publicado em 2023-03-14

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