O ESPETÁCULO DO MUNDO

Cristina Robalo Cordeiro

As Jornadas Mundiais da Juventude fizeram dizer muitos disparates, em i particular a pessoas consideradas inteligentes. Perante um acontecimento de uma dimensão tão excecional, alguma intelligentzia portuguesa (jornalistas, comentadores, políticos) exprime o seu embaraço com tanto de mau humor quanto de má-fé. Invoca-se o princípio da laicidade, denunciam-se as despesas faraónicas, deploram-se os incómodos intoleráveis impostos à população da capital e as ameaças que pesam sobre a ordem pública vai-se ao ponto de ridicularizar o título do Santo Padre que (segundo uma voz autorizada de uma opinion maker, que eu própria ouvi...) poderia igualmente convir ao Presidente da República.. Em suma desejosos de manter a cabeça fria recusamo-nos a aderir à emoção coletiva a partilhar o entusiasmo de uma juventude vinda dos quatro cantos do mundo responder ao apelo do Papa Francisco.

É certo que cabe à razão julgar e analisar uma inteligência que não fosse crítica faltaria ao seu dever primeiro. Desde o Século das Luzes e dos seus filósofos, e sobretudo desde Voltaire (de que Rousseau era mais do que inimigo), é de bom tom que os espíritos esclarecidos façam profissão de ceticismo perante o fenómeno religioso, sobretudo quando ele se assume também como um fenómeno de massas: três séculos volvidos, ainda aqui estamos! (bmo podem as multidões continuar a venerar ídolos, a acreditar em milagres e na Providência quando a democracia republicana através da escola laica gratuita e obrigatória se esforça por propagar um humanismo sem transcendência?

Enquanto a Europa em poucas décadas, totalmente (ou quase) se descristianizou ou pelo menos se desligou do culto e se rendeu à evidência da supremacia definitiva da ciência e da tecnologia (sonho do cientismo), eis que o encontro no nosso país de centenas de milhares de peregrinos dos 18 aos 30 anos vem perturbar as nossas referências: será verdade que não caminhamos para uma emancipação cada vez mais completa cada vez mais dominante? Aceitamos que o povo, sempre suspeito de obscurantismo, continue obstinadamente fiel às suas velhas ilusões, mas como é possível que todos estes jovens estrangeiros, sem dúvida adeptos de concertos rocks e de grandes jogos de futebol, venham a Portugal festejar a sua fé, essa mesma fé que nós, homens e mulheres de cultura e de bom- gosto, abandonámos? Não parece haver aqui algo como um escândalo, e tanto mais perturbador quanto a Igreja sofre sob o peso dos seus erros e dos seus pocessos?

Mas nada de novo sob o sol: as mesmas questões já se haviam colocado na viragem do século XX, na época em que o grande autor naturalista Emile Zola escrevia Ixmrdes, romance no qual procurava, como um sociólogo, compreender a desconcertante psicologia das multidões religiosas. Um outro escritor da mesma escola e da mesma época (dita Belle Epoque), J.-K. 1 luysmans, autor de Foules de Lourdes (1904) apresentava uma explicação que se reveste de uma estranha atualidade: se "já ninguém acredita na honestidade dos homens políticos, no valor dos generais, na independência dos magistrados, já ninguém pensa que o clero é composto de santos", como não nos arriscarmos então a acreditar no amor de Deus e na força coletiva dos homens de boa vontade? Pois a boa vontade existe e estas jornadas mundiais da juventude, prova de fogo para a nossa hospitalidade, multiplicaram os exemplos e os prodígios, em Coimbra e em todo o país. E como disse uma jovem voluntária da flórida entrevistada no dia em que Francisco chegou a Portugal, é cada vez mais importante hoje pensar o lugar de Cristo nas nossas vidas,

Cristina Robalo Cordeiro, IN Diário de Coimbra, 4.08.2023

Publicado em 2023-08-10

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