CRÓNICAS SOBRE AS CRÍTICAS À NOTA PASTORAL DO CARDEAL-PATRIARCA

Sobre este (aparentemente) importante tema, ...

Sobre este (aparentemente) importante tema, no quadro civil, o silêncio impera; já se for o cardeal-patriarca a propô-lo a quem procura orientação para viver a sua fé, todos os que não acreditam entendem opinar

Nas mais variadas formas, feitios, perspectivas, ângulos e opiniões, alguns – poucos católicos – e toda uma infinidade de ateus, agnósticos, não crentes e não praticantes, todos resolveram comentar a comunicação do sr. cardeal-patriarca sobre a leitura, normalmente já em várias mãos, do que dizem que deve ter a nota pastoral sobre a situação dos recasados.

Muito depressa, e demonstrando um interesse profundamente desproporcionado relativamente a toda uma infinidade de outros possíveis temas da vida dos católicos, muito poucos resistiram à tentação de oferecer a sua interpretação mais ou menos esclarecida sobre esse tema, que se tornou de repente tão importante, e que é a forma como a Igreja entende que se devem comportar sexualmente os recasados.

Como em tantas coisas na vida, talvez não fosse pior, antes de opinar, tentar ter uma primeira visão esclarecida sobre a questão sob análise e, de seguida, devidamente ponderado o tema, formar uma opinião.

Numa síntese difícil de um tema que é muito mais complexo, o que o sr. cardeal-patriarca refere na sua nota pastoral, relativamente aos recasados e ao tema específico da proposta de continência, é o seguinte: “(…) Não omitir a apresentação ao tribunal diocesano, quando haja dúvida sobre a validade do matrimónio. d) Quando a validade se confirma, não deixar de propor a vida em continência na nova situação. (…)”.

Ou seja, numa abordagem muito prática e simplificando, o que acontece é que perante o direito canónico, que é aquele pela qual o casamento católico, e só esse, se rege, se corrido o processo que analise a validade do vínculo exista uma decisão que o mantenha válido, e que, portanto, não o anule, declare inexistente ou dissolva, as obrigações canónicas decorrentes do mesmo mantêm-se válidas. Não é diferente no caso do casamento civil.

Mantém-se, por isso, válido o dever de fidelidade decorrente do casamento não dissolvido e, neste contexto, não poderia aconselhar-se outra coisa.

É bem verdade que depois das últimas alterações feitas ao regime do divórcio, no casamento civil, a violação dos deveres conjugais, de uma maneira geral, deixou de motivar consequências patrimoniais, como as que vigoraram durante muitos anos e que a nomenclatura nova passou a denominar de divórcio-sanção, como acontece como exemplo paradigmático, por exemplo, em inúmeros estados dos Estados Unidos da América.

Já por cá, passou a ser a regra que depôs a do divórcio sanção a do agora denominado divórcio-remédio – o que, no fim, não altera no essencial as obrigações decorrentes do casamento civil.

Já que os cônjuges, diz a lei da República laica Portuguesa, estão vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, de forma recíproca, como dispõe, não uma qualquer escritura ou livros apócrifos, mas, muito mais prosaicamente, o nosso Código Civil.

Temos, pois, que na pendência do casamento civil – e enquanto o mesmo não seja declarado nulo, seja anulado ou dissolvido – existe o referido dever de fidelidade que se impõe aos cônjuges. Ou seja, a lei diz que enquanto forem casados não podem cometer adultério (portanto, uma ilegalidade com repercussões) quando têm relações com outros que não aqueles com quem se casaram.

Para eventual espanto dos comentadores, imaginem, não é diferente nos casos em que estamos perante divorciados civilmente mas que se casaram catolicamente, quando o vínculo católico não foi desfeito.

Ou seja, quando o vínculo católico se mantém, seria estranho que houvesse um incentivo ao adultério na mensagem do cardeal-patriarca.

Aliás, pese embora esta comoção que a nota pastoral causou, a verdade é que – não sendo obrigatório para nenhum não católico cumprir os ditames do direito canónico – não causa, curiosamente, particular indignação e ressonância na vox populi o facto de o Código Civil continuar a impor o dever de fidelidade a quem não esteja divorciado, obrigação que, para mais, se aplica a católicos, evangélicos, muçulmanos, budistas, agnósticos e todos os demais, desde que se casem civilmente.

Ou seja, sobre este (aparentemente) importante tema, no quadro civil, o silêncio impera; já se for o cardeal-patriarca a propô-lo a quem procura orientação para viver a sua fé, todos os que não acreditam nem estão sujeitos a ter de aceitar entendem opinar… Enfim. 

Note-se, aliás, que longe da vida religiosa e da interpretação das encíclicas papais, o próprio Código Penal, no artigo 247.o, estatui que é crime que quem sendo casado contraia casamento, ou contrair casamento com pessoa já casada, prevendo uma pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias. Curiosamente, esta abstinência forçada já não move os descrentes… 

 

Advogado na norma8advogados, pf@norma8.pt , Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990

 

Pedro Ferros, Jornal i 15.02.2018

Publicado em 2018-02-16

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