A grande mentira

Luís Pereira da Silva

Outra ordem moral se impõe, mas não a dos lóbis fraturantes: antes a que nos reconhece como um ser criado e devedor de Fonte Maior a que se deve reconhecer o senhorio do mundo e não achar-se a si próprio –‘Humano’, afinal! – o Senhor absoluto de um mundo a dominar. Enquanto esta conversão não ocorrer (construam-se lóbis para isso, sim!), por poucos que formos, seremos sempre demasiados, tal a sofreguidão.


O mundo tem assistido a mudanças vertiginosas, apresentadas como espontâneas, naturais e imparáveis. Pudéssemos ‘regressar’ ao futuro e olhar para trás, com independência, as grandes decisões das últimas décadas (particularmente a partir da conferência do Cairo sobre a população, realizada em 1994) e notaríamos uma tónica comum (nestes tempos atonais, não deixa de ser paradoxal!): diz-se que ‘somos muitos, somos demasiados, pelo que temos que diminuir a população mundial’.

Grande parte das decisões tomadas, desde finais da década de 60, explicita ou mantém implícita a estafada tese malthusiana (Malthus viveu entre 1766 e 1834, mas a sua tese de que ‘o crescimento da população é geométrico, enquanto a alimentação é numérica’ permanece viva, apesar de repetidamente negada pela realidade).

Antes de avançarmos, recuperemos a primeira ideia aqui apresentada – a da espontaneidade das mudanças – para contestar e deixar muito clara a consciência de que as mudanças têm sido conduzidas por instituições, lóbis e organizações devidamente identificadas que se propõem defender, nos areópagos internacionais, as suas agendas, pelo que nada têm de natural e imparável as mudanças que, a pretexto da tese que aqui iremos denunciar, se propõem desnaturalizar as ‘natureza humana’.

[Entendo por ‘desnaturalizar’ a natureza humana o esforço de negar a importância da condição natural como condição necessária para entender a dimensão cultural do ser humano. O homem é cultural numa natureza que ele recebe e que lhe é prévia. Ele realiza-se enquanto natureza humana que se torna cultura. A ‘desnaturalização’ da natureza humana tudo reduz a construção cultural. No limite, a própria condição sexuada do ser humano é desvirtuada da sua dimensão natural para ser reduzida a um constructo cultural e social.]

Retomemos a questão malthusiana, explicitando que a nossa tese é a de que, de facto, não somos muitos. Somos, quando muito, ’malcomportados’, isto é, o risco da nossa existência para o ambiente não decorre do nosso número (tese a analisar), mas dos comportamentos que temos.

Senão vejamos…

Para evidenciar como não somos, efetivamente, muitos, perguntemo-nos o seguinte (a pergunta devo-a ao jornalista e amigo, António Jorge Ferreira, que, um dia, ma formulou nos termos em que a vou apresentar): imagine-se que procurávamos reunir todos os 7 mil milhões de humanos num só espaço em que cada humano se atribuiria uma área de um metro quadrado (m2). Que território ocuparia essa mole humana?

Deixo a pergunta ao leitor. Em que território caberia a população mundial, dentro desta condição matemático-geométrica?

Já a formulei a diversos públicos e as repostas foram de ‘continente europeu’ a ‘toda a área de Portugal até Vladivostok’, a toda a Terra’, enfim.

Mas procuremos, então, fazer a análise pela via matemática.

Comecemos por recordar que uma área de 1 m2 é a que corresponde a um quadrado com um metro de lado. Por seu turno, um espaço com um quilómetro quadrado (Km2) é o que corresponde a um quilómetro de lado, o que significa que tem 1 milhão de metros quadrados. Está fácil de concluir, desde já, que, na área de um quilómetro quadrado caberia um milhão de humanos, aplicando o teor da proposta que estamos a analisar. Estendendo a ideia… a 10 km2, caberiam 10 milhões de humanos (todos os portugueses, afinal) e em 100 Km2, caberiam 100 milhões de humanos. Saltando para o final do raciocínio, os 7 mil milhões caberiam em 7000 Km2.

Fica a faltar a identificação mental de um território que corresponda ao final do nosso raciocínio: o que tem a área de 7000 Km2?.

Para os que tinham afirmado que precisaríamos de toda a Terra, logo ficariam excluídos da verdade ao verificarem que a terra tem uma área de 510 milhões de Km2. Muito mais do que a área de que necessitamos.

Os que pensaram no território da Europa e Ásia (de Portugal a Vladivostok) também rapidamente concluirão que 54 milhões de Km2 são área a mais para albergar os nossos ‘modelos’.

E na Europa? 10 mil milhões continuam a ser área mais.

Portugal? Dos seus cerca de 92 mil Km2 também demasiado espaço sobejará.

Teremos de concluir que, afinal, caberíamos num só dos nossos distritos, que não o maior de todos. Caberíamos no distrito de Évora, que tem cerca de 7393 Km2 (informações facilmente verificáveis na Wikipédia).

E se decidirmos alargar a área a conceder a cada humano para 4 m2 (2 metros de lado), verificaremos que a área do Alentejo e Algarve é suficiente para albergar todos os humanos vivos, atualmente.

Naturalmente que se trata de puro exercício matemático, mas que denuncia que, afinal, não seremos tantos, numericamente falando, como nos querem fazer crer, sendo que, para além disto, há que ter em conta que o crescimento da população não é um mero exercício de geometria, pois fatores como, por exemplo, as pandemias (!) as guerras, as políticas, as adversidades de vária monta interferem nas variações dos números demográficos. E tudo indica que, afinal, a população mundial volte, de novo, a crescer (Cfr. Robert E RICKLEFS, A economia da natureza (2010)).

Será fácil concluir, então, que esta mentira muito bem construída terá de ser substituída pelo reconhecimento de que o problema da demografia humana não é quantitativo, mas sim de ordem moral. Temos de converter a nossa forma de estar, não porque tenhamos medo – o medo não é bom fundamento da moral! –, mas porque reconhecemos o mundo como um lugar a respeitar e acolher como recebido e a transmitir. Outra ordem moral se impõe, mas não a dos lóbis fraturantes: antes a que nos reconhece como um ser criado e devedor de Fonte Maior a que se deve reconhecer o senhorio do mundo e não achar-se a si próprio –‘Humano’, afinal! – o Senhor absoluto de um mundo a dominar. Enquanto esta conversão não ocorrer (construam-se lóbis para isso, sim!), por poucos que formos, seremos sempre demasiados, tal a sofreguidão.

Até quando nos manterão sob a influência desta mentira?

 

LUIS PEREIRA DA SILVA

Professor, Comissão Diocesana da Cultura

In CORREIO DO VOUGA  24 de junho 2020

Publicado em 2020-06-25

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